Conto 3: O escapismo da Professora!
O relógio estava prestes a marcar 12:15 na parede da
sala de aula do 7 ano B, os pré-adolescentes na sala agitavam-se com a
proximidade do horário da saída da escola Raio do Saber, localizada no centro
da cidade.
A instituição era formada por duas áreas sendo uma
para o ensino fundamental menor e outra para o fundamental maior e entre elas
localizavam-se as quadras e piscinas, as cores do local eram pautadas em tons
de amarelo, rosa e laranja dando uma atmosfera positiva e agradável para o
ambiente.
Voltando ao 7 ano B, os dois últimos horários eram
ministrados por Ada, professora de matemática, no momento sentada na carteira
de frente para a sala, guardava suas pastas e materiais de trabalho, os alunos
copiavam a atividade do quadro negro enquanto o quadro digital no fundo da sala
encontrava-se desligado.
“Terça feira é o pior dia, já não me basta ser
matemática ainda tem que ser essa professora” Dizia Rob, um dos alunos com seus
cabelos negros bagunçados por já se tratar do fim do dia, enquanto guardava seu
caderno em sua bolsa.
“Não precisa exagerar também! Ela é uma boa
professora, na verdade o problema esta com vocês e não com ela” Uma garota com
cabelos lisos e castanhos na altura dos ombros disse um pouco incomodada com a
situação.
“Você não precisa fingir que gosta dela só pra ela
te dar mais pontos todo mundo sabe que você é horrível em matemática e fica
falando isso pra ver se ela escuta e fica feliz” O garoto disse irritado com a
defesa, abrindo sua mochila azul, com alguns detalhes prateados, tirando um
aparelho MP3 e desembaraçando os fones.
“Pra sua informação eu não preciso fingir nada, se
você tentasse conhecer as pessoas antes de julga-las talvez pudesse pensar
diferente” Reclamou a menina enquanto terminava de copiar a ultima questão.
“O Rob e a Gaby estão brigando?” Um garoto sonolento
de cabeça baixa perguntou para o menino sentado da garota que escutava a
discussão.
“Estão discutindo mais uma vez sobre gostar ou não da
professora de matemática, eu não sei muito bem o que pensar então eu só fico
quieto como sempre, não faz lá tanta diferença pra mim” Chris disse, possuía
olhos castanho-escuros e seu cabelo possuía algumas mechas grandes caindo sob
sua testa, porém em volume não era grande coisa.
“Há achei que fosse por outra coisa, mas ninguém
gosta dessa mulher mesmo, não sei por que a Gaby ainda insiste em tentar
convencer alguém do contrário” O outro disse para si e baixou a cabeça
novamente desejando com que o tempo passasse rápido.
Ada escutava a maioria dos alunos dizerem o quanto não
gostavam dela sem nem pensar duas vezes, normalmente ela escolhia ignorar, mas
hoje em especial aqueles comentários a deixaram sensível.
Ela havia conhecido um possível pretendente e o
convidara para sair o que lhe fazia ficar ansiosa para ver o que este lhe
respondera, mas ainda não podia verificar seu celular em horário de trabalho, essa
situação lhe dava um pouco de confiança, porém com o passar do dia o pessimismo
tomou conta de seus pensamentos visto a quantidade de encontros frustrados que
tivera nos últimos meses.
“Ele provavelmente nem vai se importar em responder
e se responder vai ser que nem os outros e nem aparecer na hora e as meninas
todas ocupadas com as vidas delas não vão ter tempo para lidar com as minhas
crises” A mulher pensava quando a sirene tocou alto anunciando o fim do horário
deixando todos os estudantes empolgados.
Não tardou para a sala estar vazia somente ela e o
vento que entrava pela porta aberta, vento este que fazia seus cabelos rosados
esvoaçarem um pouco, ajeitando seu óculos e tomando um pouco de coragem deixou
a sala com a bolsa atravessada em sua cintura e segurando a pasta com as
atividades e a frequência.
Seguindo pelo corredor e dobrando no corredor
seguinte, parando no bebedouro para encher sua garrafinha, abrindo em seguida à
porta no final do corredor, também conhecida como a sala dos professores.
Indo direto para o seu armário e guardando seus
papeis um pouco apressada, pegou o celular, deslizando os dedos sobre a tela
ansiosa por abrir o aplicativo de mensagens e ver o que ele respondera.
“Visualizou, porém não respondeu mais...faz três
horas, mas talvez ele possa ter se esquecido e depois vai responder
confirmando...” Disse para si mesma tentando compensar sua frustração.
Apenas ela encontrava-se no cômodo, seu coração
encheu-se de pessimismo e ela devagar fechou a porta assumindo para si mesma a
verdade dolorosa, ele não responderia mais e nem sairia com ela.
“Porque eu ainda tenho esperanças? Porque eu ainda
me permiti acreditar e ainda me deixei levar como se eu fosse uma adolescente
apaixonada! Daqui a pouco preciso ir para a prefeitura ao invés de me preparar
estou ocupada ficando mal por besteiras” A mulher disse para si tentando se
conformar.
Com a bolsa atravessada em sua cintura saiu do
local, sentando-se nas arquibancadas do pátio da escola, tirando seu almoço, o
cheiro do arroz e do bife mal passado exalaram assim que retirou a tampa do
depósito, enquanto fazia sua refeição pensou em chamar suas amigas para sair e
compensar sua frustração de alguma forma e livrar-se da monotonia que vivia
sempre e da sensação de vazio que lhe atormentava.
“Vou ver se a Amanda e as meninas estão disponíveis
pra ir na hamburgueria artesanal hoje” Comentou empolgada com ninguém em
especifico.
No mesmo momento enviou as mensagens convidando-as e
em alguns instantes viu todos os convites e propostas que fizera serem
recusados um por um, a maioria diziam estar sem tempo, outras estavam sem
dinheiro ou disposição e ainda haviam aquelas que coincidentemente marcaram outra
coisa no dia e não poderiam comparecer.
“Acho que podemos dizer que hoje definitivamente não
é meu dia...” Comentou e guardou o telefone no bolso de uma vez por todas.
Guardando o depósito agora vazio, a professora de
matemática agora deixava a escola perdendo seu título de professora e sendo
agora uma mulher de curtos cabelos rosas no meio da multidão, utilizava uma
blusa marrom com detalhes quadriculados brancos, uma saia preta e sapatilhas
vermelhas, seus óculos redondos aumentavam seus olhos castanhos hoje perdidos e
sem brilho.
Esse sentimento lhe atormentava a tanto tempo que
ela nem conseguia definir um ponto de partida exato para isso, seus pés faziam
o caminho de todo dia para a parada enquanto o próprio tempo encarregava-se de
colocar o ônibus em seu caminho e ao entrar nele como mágica já estava diante
do prédio da prefeitura onde trabalhava como assistente recebendo e checando os
papeis, administrando agendas, servindo cafés e escutando reclamações que nem
faziam parte do seu trabalho.
Tudo aquilo para ela parecia tão repetido, sua vida
era determinada por números e fórmulas que ela era obrigada a ver e planejar e
depois vinham à infinidade de papéis e ordens que não possuíam um fim, e não
havia retorno.
As crianças e adolescentes eram um lembrete
constante do quanto ela era desinteressante agora e embora o ensino deles
tivesse melhorado, não importava porque no fim ela não era carismática o
suficiente para deixar a turma satisfeita como o antigo professor e era vista
somente como um horário chato e descartável.
Toda vez que tentava um encontro com qualquer um, o
assunto simplesmente não fluía era como se estivessem travados ou acorrentados,
ela podia ver nos olhos de cada um dos caras o desinteresse chegando e após a
conta ser paga por um dos dois ela sabia que nunca mais o veria novamente.
Suas amigas elas pareciam estar sem tempo, ou quando
tinham pareciam estar sempre ocupadas com os próprios problemas, casa, filhos,
maridos e suas vidas pareciam tão encaminhadas que os problemas da professora pareciam
ridículos e ela simplesmente optava por não compartilha-los, por mais que no
final ela sentisse a gigantesca vontade de desabar, ainda assim ela não o faria
e se manteria firme pelo máximo de tempo.
Ada só desejava alguém, alguém capaz de despertar
nela um sentimento diferente, um sentimento que lhe mostrasse o quão sua vida
podia ser interessante, o quanto ela podia ser interessante e o que exatamente
estava valendo a pena, podia ser qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer
momento, ela estava disposta a encontrar esse alguém.
Como o local final que ainda precisava visitar, Ada
agora encontrava-se de frente para um dos principais hospitais da cidade, o
hospital James Bradstreet, suas cores pautadas em azul, branco e verde com
enfermeiras e funcionários movendo-se de um lado a outro em uma sintonia
mecânica, mas até bonita de se observar.
A mulher já não precisava mais identificar-se na
recepção, pois se tornara basicamente conhecida no local, girando a catraca e
adentrando a ala dos quartos dirigiu-se ao elevador conseguindo entrar antes
que este fechasse com mais 4 pessoas, duas delas um homem e uma moça pareciam
preocupados com a situação de quem quer que estivesse internado no local.
Enquanto ela e as outras duas pessoas pareciam lidar
mais naturalmente com a situação, o elevador parou na ala dos quartos de número
300 e a professora não tardou em saltar dele e rapidamente se encontrava diante
do leito 314, respirando fundo, a mulher fechou a mão sobre a maçaneta da
porta.
Reunindo coragem ela a girou abrindo e adentrando o
cômodo, podia-se dizer que era até espaçoso para um quarto de hospital, com
duas poltronas reclináveis e um sofá no fundo do quarto, um frigobar ao lado de
uma pequena bancada, a porta do banheiro na lateral do leito e no meio do
quarto encontrava-se a cama dele.
“Oi papai, como foi o seu dia?” Perguntou sabendo
que não seria respondida.
Colocando sua bolsa na bancada, ela se dirigiu a
cama onde seu pai encontrava-se deitado, por mais que fizesse isso todos os
dias ainda era difícil acostumar-se, ele costumava ser tão energético e agora
nem sequer abria os olhos.
Os fios saiam dos recipientes com as medicações e
sumiam cobertos pelo lençol branco, levando a medicação que entrava em contanto
com as veias graças aos acessos, ela sabia que estava sendo melhor assim, os últimos
surtos que seu pai tivera obrigaram os médicos a o colocarem num estado de coma
induzido para que os medicamentos pudessem agir e combater as células cancerígenas.
“Espero que o senhor consiga sair dessa, hoje foi um
dia tão complicado pra mim...eu gostaria tanto de conversar...quer dizer eu sei
que estamos conversando, mas eu só queria...que me respondesse” Com
dificuldade, a garota disse ajoelhando-se e segurando as mãos do pai.
“Como as coisas chegaram nesse ponto? Seria tão bom
poder simplesmente voltar no tempo e deixar todo esse sofrimento de lado...sei
que costuma dizer que tudo acontece por um propósito, mas as vezes eu sinto que
simplesmente eu não sou forte o suficiente pra suportar a chegada desse futuro”
Ada admitiu deixando seu coração sangrar por tudo que esteve reprimindo nos últimos
dias.
Os fragmentos dos tormentos que surgiam em sua mente
se confundiam com as lembranças de um tempo em que ela não precisava se
preocupar com nada, uma Ada que outrora existiu, mas que agora não passava de
um personagem deixado no passado.
“Eu era tão feliz, sem preocupações...com Fred,
Manoel e a Nanda, todos os dias eram brincadeiras, o senhor era tão feliz, nossa casa e os almoços que mamãe
amava preparar todos os dias, as brincadeiras...voltar da escola e depois das
atividades tudo que precisávamos fazer pelo resto do dia era encontrar algo que
fosse divertido o suficiente pra que nossa imaginação pudesse vagar...” Os
cabelos da moça caiam sobre seu rosto, mas ela não se importava em tira-los.
As lágrimas começavam a brotar entre os olhos da
mulher e ela não fazia nenhum esforço para as impedir de cair.
“Hoje em dia as preocupações são tantas, a respeito
de números, de como vou conseguir continuar custeando esse tratamento e a cada
dia eu me sinto mais e mais sozinha e não sei até quando eu posso aguentar as
coisas assim...sei que a culpa não é sua e talvez desabar assim não seja o modo
como eu deveria lidar, mas eu queria tanto fugir dessa realidade e me sentir
bem de novo...se eu pudesse voltar no tempo eu faria tudo diferente pra não
chegar até aqui desse jeito...se eu pudesse apenas voltar...” Ada desabou e as
lágrimas vieram carregadas de todas as emoções que ela estava reprimindo.
Elas caiam em uma cachoeira molhando o chão enquanto
ela segurava a mão de seu pai, apenas o barulho do ar condicionado e os soluços
da professora podiam ser ouvidos na sala, os ombros curvados enquanto seus
sentimentos eram postos para fora e em seu peito uma dor.
E ao mesmo tempo que possuía uma dor em seu corpo,
os desejos dentro de si, voltar no tempo, conseguir se manter bem no presente e
conseguir um ainda futuro melhor, o desejo de escapar daquilo tudo e apenas
sentir-se bem, esses sentimentos pouco a pouco preenchia cada parte do corpo da
mulher.
Da ponta do pé até seus cabelos a mulher sentira um
arrepio enquanto esses desejos eram já estavam em sua mente, possuindo cada centímetro
do seu cérebro e tudo que ela conseguia pensar estava relacionado à progressão
no tempo e no quanto ela queria ser capaz de melhorar as coisas.
O que mexia com o seu emocional, sentia uma dor
dentro de si ao mesmo tempo em que uma nostalgia e uma esperança brotaram em si
e ela não fazia ideia de onde estava tirando esses sentimentos, mas era certo
que eles existiam.
Por fim uma camada de brilho dourado a envolveu, ela
não sabia o que aquilo significava, porém a luz aumentava cada vez mais e
enquanto isso a professora não sabia se estava sentindo tudo de uma vez ou
nada.
Sentia-se cheia de energia agora, ao redor de onde
estava ajoelhada, um relógio de bolso era desenhado a partir do brilho dourado
saído de si, o relógio visto de cima era lindo e possuía detalhes minunciosamente
traçados, Ada olhava ao redor incrédula e de alguma forma ela sabia que aquilo
estava vinda dela, porém não compreendia o porque e muito menos como.
Era como se sua aura estivesse se manifestando pela
primeira vez, agora uma ansiedade crescia dentro de seu peito, como se alguma
coisa muito importante estivesse chegando e nesse momento o relógio de bolso
desenhado no chão se iluminou envolvendo a garota num clarão poderoso.
O clarão durou cerca de 15 segundos e Ada sentia
algo em seu corpo mudar, era como se uma camada extra de algo que ela não
conhecia estivesse sendo adicionada em seu ser e não era uma sensação ruim,
sentia como se o tempo fosse seu amigo agora, a noção e a ideia de tempo agora
não lhe causavam mais tanto medo e um otimismo repentino também crescia dentro
de si.
Após o cessar do clarão, a mulher de cabelos rosados
ainda recuperava-se de tudo que havia acontecido.
“Ada! É um prazer conhece-la e uma honra para mim
estar aqui, muito prazer” Uma coruja disse surgindo repentinamente ao lado da
mulher.
“Q-Q-Quem é você? E como você consegue falar? E o
que acabou de acontecer?” Perguntou a mulher confusa, ela estava indecisa se
surtava mais com isso ou concluía que era tudo uma alucinação causada pelo
estresse, porém aquela Coruja lhe passava uma sensação de conforto.
“Sou Owlkan, você me despertou, você relacionou seus
sentimentos com seu profundo desejo de voltar no tempo e conseguir controlar
seu futuro de tal forma que todo o seu corpo foi tomado por essa energia e você
evoluiu passando a ser uma despertada e eu como seu espirito devo lhe ajudar a
lidar com tudo isso como uma extensão de você” A Coruja disse tentando ser o
mais explicativa que conseguira.
“Certo...agora além de depressiva e carente eu
também sou louca, não acredito que isso seja real” Ada disse ainda cética com o
ocorrido.
“Neste caso eu tenho uma péssima noticia para você”
Owlkan disse um tanto quanto sarcástica.